No pretérito dia 1 de Novembro,
dia de Todos os Santos, desloquei-me ao cemitério para prestar homenagem aos
que já partiram.
E recordei-me do dia em que ali
tínhamos ido acompanhar a minha sogra à sua última morada.
Para a missa de corpo presente,
tinha escrito algumas palavras de derradeira homenagem:
“Hoje o céu está em festa com a
chegada de uma Mulher plena de bondade. E também está mais estrelado, mercê da
felicidade do reencontro de dois seres magníficos, aos quais, nesta Terra, foi
dado viver, durante mais de 60 anos, uma
linda história de amor, que, agora, se eterniza.
Senhora de um coração enorme, a
transbordar de generosidade e amor ao próximo, e dona de um poder de resignação
ímpar e de uma inexcedível capacidade de perdão, Mãe Clara foi convocada por
Deus, que, assim, a libertou do sofrimento só nesta vida consentido.
O facto de A sabermos, agora, sentada à
direita de Deus Pai Todo Poderoso, solta das amarras da dor da separação do Seu
Amado Esposo e dos entes mais queridos que lhe tinham levado a dianteira, deve
encher-nos de júbilo e confortar-nos, transformando as lágrimas de dilacerante
dor dos seus filhos em lágrimas de incontida alegria.
Estou certa que, boa Mãe como
sempre foi, iluminará, agora, do alto dos céus, o trilho de cada um dos seus
filhos e netos.
Bem haja, Mãe Clara, por tudo! E tudo foi
tanto! Que todas as constelações do firmamento brilhem sempre por Si e para Si!
Que todos os Anjos e Santos aconcheguem sempre a Sua Alma com um manto de Luz
Divina!
E perdoai-me, Senhor, por nunca
ter tido capacidade para ofertar a este espírito de luz, a devida atenção e o
carinho merecido.”
Antes da missa, dirigi-me, na companhia do meu
marido, à sacristia, a fim de pedirmos ao celebrante que me concedesse
autorização para, durante a missa, ler aquelas breves palavras.
O Sr. Cónego respondeu
categoricamente:
- Não! Isso não! Liturgia é uma
coisa, sentimentos pessoais é outra! Durante a missa, não!
O meu marido ainda sugeriu:
- Talvez no cemitério, durante
a cerimónia religiosa…
Irredutível, o Sr. Cónego negou,
uma vez mais, e sugeriu que o texto fosse lido, no cemitério, fora da cerimónia
religiosa, depois do seu encerramento.
Sem alternativa, no cemitério,
findo o ritual religioso, o celebrante já
de costas, comecei a ler.
Confesso que a leitura
naquelas circunstâncias perdeu muito do seu verdadeiro sentido e da sua riqueza
espiritual, na medida em que, naquela ocasião, o representante de Deus na Terra
já tinha deixado os seus fieis, que ali se haviam reunido precisamente com a
finalidade de a sua voz ser por Ele ouvida.
Então, não é verdade que os
fieis estavam reunidos, em comunhão com Deus, representado pelo sacerdote?
E também não é verdade que aquela reunião só fazia sentido porque todos
os fieis acreditavam que Deus os estava a ouvir?
Não sei como se passam as coisas nas outras
igrejas católicas espalhadas pelo mundo, mas têm-me chegado sentidos relatos de
pessoas que estiveram presentes noutras cerimónias fúnebres, em igrejas
católicas de Portugal, onde foram lidos trechos de homenagem ao defunto,
escritos por familiares e amigos, sendo-me, concomitantemente, transmitido
apreço por tais manifestações públicas.
Sendo
a Missa ou Celebração da Eucaristia a principal celebração religiosa da Igreja Católica, o ponto máximo da comunhão dos
fieis com Deus, entendo que as palavras de homenagem à minha sogra se
enquadravam perfeitamente naquela missa em que o celebrante rogava a Deus pela sua
alma.
E naquele dia de despedida da minha sogra, fiquei
a pensar se não seria já altura de todos os elementos do Clero, sem excepção, mostrarem
maior abertura na celebração dos actos litúrgicos, numa atitude que Cristo saudaria.
O que, na ocasião, me afagou a alma, foi ter tido
a certeza absoluta de que, se eu tivesse pedido a Cristo autorização para ler o
texto na missa, ele teria, sem qualquer hesitação, e com um sorriso inundado de
luz divina, respondido que sim.
Texto e fotografia da Isabel Maria.