domingo, 30 de outubro de 2011

O FILHO DA NADADORA


                                        
                                                
     Estava concentrada no seu posicionamento junto à parede interior da piscina, já que a sua partida iria ter lugar dentro da água.

      Puxou o corpo contra a parede, ao mesmo tempo que empurrou a borda com os pés, de molde a que o corpo se elevasse e os quadris saíssem da água.

      Dado o tiro de partida, mergulhou para trás.

      Nesta modalidade de crawl de costas, ela girava alternadamente os braços como autênticas hélices, efectuando vários batimentos de pernas durante um ciclo de braçadas completo.

          Logo nos primeiros metros da sua progressão dentro da água, reparou que entre a numerosa assistência da competição, se encontrava de novo aquele menino com caracóis castanhos e olhos de um azul ultramarino, sorrindo para ela, e gritando: “Força, Mamã! Força!”

          Assim que os olhos dela se fundiram nos dele e a luminosidade do olhar dele  penetrou na alma dela, a adrenalina da nadadora atingiu o seu ponto máximo e ela começou a nadar desenfreadamente até chegar ao fim da prova.

          O crawl de costas era o seu estilo de natação preferido, e nele ela era exímia, coordenando na perfeição os movimentos propulsores dos braços e das pernas, embora também fosse uma boa nadadora de crawl, bruços, mariposa, e da modalidade que reunia estes 4 estilos: Medley.

          Volvidos os primeiros 50 metros, a nadadora, para fazer a viragem, executou uma cambalhota de costas, seguida de uma rotação do corpo que a colocou novamente na posição dorsal. 

           Foi como um autêntico furacão dentro da água que nadou os restantes 450 metros da competição.

           Uma vez mais, conquistou a primeira posição, com grande vantagem em relação a todas as suas adversárias.

           Indubitavelmente, a presença do filho na assistência dava-lhe enorme alento e determinação para vencer.

           Terminada a prova, a nadadora olhou ansiosamente para o público, à procura do seu menino, como sempre fazia, embora soubesse de antemão que, nessa altura, ele já nunca lá se encontrava. Como sempre, também desta vez ele estivera presente durante o tempo em que sua mãe percorrera os 500 metros e, finda a prova, desaparecera. Gostava de permanecer nas bancadas o tempo necessário para lhe dar força e a ver vencer, e depois, desaparecia. Tinha sido sempre assim.

        Ao sair da água, a nadadora, sabedora que seu marido viria, como habitualmente, felicitá-la antes da cerimónia protocolar da entrega de medalhas, decidiu que, desta feita, não lhe iria contar que, durante a competição, seu filho estivera na assistência a transmitir-lhe coragem. Mortificava-a pensar que, de todas as vezes que, num êxtase sem par, contara ao marido que o filho lá tinha estado, ele, abraçando-a pela cintura, lhe dizia com o tom de voz meigo que o caracterizava:

         - Meu Amor: O que nós sentimos e sentiremos sempre, é uma dor inigualável. A perda de um filho é um drama irreparável, mas tens de começar a interiorizar que o nosso filho já não pode estar aqui, entre nós. Não nos podemos agarrar à temerária ilusão de que ele está na assistência… Tens de aceitar que o nosso menino partiu para junto de Deus e, nos céus, dar-te-á sempre muita força.

         De cada vez que o marido lhe arremessava à cara a cruel realidade da morte do seu menino, ela sentia o sangue gelar-lhe nas veias e tinha a sensação de que estava a ser lançada contra um iceberg, com o coração a partir-se em mil pedaços. Por isso, desabava irremediavelmente num pranto de vencida. Por que razão seu marido insistia em a desapossar da doce ilusão de que seu filho continuava a assistir na bancada às suas vitórias e a dar-lhe o alento de que ela necessitava? Teria seu marido o direito de fazer abortar a réstia de felicidade de uma mãe que continua a receber forças do seu filho de cada vez que entra numa competição desportiva? Que mal há em ter a ilusão de que ele continua lá? Não é esta alucinação de mãe, legítima? Ela sabia perfeitamente que o marido achava que esta sua visão era um sintoma de loucura. Por isso, nesse dia, decidiu que, doravante, não mais lhe contaria que, durante a prova, tinha visto o seu menino com caracóis castanhos e olhos de um azul ultramarino, entre o público, a dar-lhe a maior força do mundo. Ele jamais acreditaria.

         Antes da cerimónia protocolar da entrega de medalhas, o marido abeirou-se dela e deu-lhe um prolongado beijo, dizendo-lhe, como sempre lhe dizia, que estava muito orgulhoso dela. Depois, encostando-lhe os lábios ao ouvido, perguntou-lhe:

         - Hoje também viste o nosso menino?

         Teve de resistir para não deixar cair as suas forças e a sua determinação, para não desabar num pranto e não sucumbir à tentação de, uma vez mais, lhe contar a verdade - sim, o seu menino tinha lá estado -, mas prometera a si mesma que não daria azo a que seu marido, uma vez mais, a olhasse com o sorriso de compaixão que se oferece a alguém que está irremediavelmente à deriva na sua loucura.

         Cerrando os dentes, respondeu-lhe:

          - Não, hoje o nosso menino não estava lá.

          O marido sorriu, já não com o mesmo sorriso de compaixão, mas com um sorriso cheio de felicidade. Foi, então, que ele lhe segredou:

           - Minha Querida, como é que não o viste?! Eu vi-o! Ele esteve lá o tempo todo, a gritar “Força, Mamã! Força!”, e só se foi embora quando se certificou de que, uma vez mais, tinhas chegado em 1º lugar.

                                                                                                       

          Texto e foto: Isabel Maria.

       

          

         


      

sábado, 8 de outubro de 2011

UM PEDAÇO DO CÉU



Quando recebemos, um cometa ilumina o nosso rosto. Quando damos, uma chuva de cometas perfumados envolve o nosso coração.
Há uns dias, ofereci ao meu pai uma prenda que sabia que ele muito apreciaria.
Enquanto a encomenda ia a caminho, comuniquei-lhe que teria de abrir a porta ao emissário.
Surpreendido, o meu pai recusou terminantemente a oferta. Porém, insisti e perguntei-lhe: "É ou não uma boa prenda?" Do lado de lá, a resposta não se fez tardar: "É a melhor coisa que me podiam dizer agora." Eu respondi: "E essa é a melhor resposta que me podiam dar agora."
Senti-me imensamente feliz porque dei a alguém um pedaço do céu. São Francisco tinha razão quando dizia "(..) é dando que se recebe (...)".
Desliguei o telefone e fiquei a pensar como nos sentimos felizes quando desenhamos um sorriso no coração de alguém.
Naquele instante, recebi uma mão cheia de pérolas de felicidade.  

Texto e Foto: Isabel Maria.